24.4.10

Sebos

Eu não sabia ler, mas me lembro bem das cores das ilustrações, lembro que o papel não era bom, mas as cores eram muito, muito vivas e fortes. Eu devia ter uns cinco a seis anos de idade, eu me lembro que era um dia de chuva, e essa cena eu não esqueço. Minha mãe pegou os livros e a chuva era muito forte, uma tempestade. Aí acabou a luz, e ela colocou os livros na sala, eu e meu irmão, e ela acendeu uma vela e ficou lendo pra gente, até o medo da chuva passar. E eu me lembro, dela, da voz dela, dos livros, da vela queimando e do medo da chuva passando.
O livro de onde tirei o trecho acima se chama “Cartografia Sentimental de Sebos e Livros”, no caso, reproduzindo a lembrança do proprietário de um dos sebos de Belo Horizonte. (...)
Frequentadores de sebos são em geral pessoas esquisitas ou, no mínimo, tomadas por esquisitas. Afinal, que graça pode haver em se ficar dentro de uma loja “com cheiro de livro velho”, horas e horas, procurando por livros que em geral não estão em nenhuma lista de mais vendidos ou serviram de tema para algum filme hollywoodiano? Provavelmente nenhuma, para a maior parte das pessoas que conheço.


(...) É engraçado pensar hoje que, se tivesse dependido da educação formal que recebi, o normal teria sido desenvolver, desde a mais longínqua infância, o mais sincero ódio aos livros. Aliás, esse mesmo que os adolescentes costumam revelar, ao serem “obrigados” a ler qualquer coisa para o vestibular ou propósito equivalente.
(...) Não, eu não gosto de ir ao restaurante mais legal da cidade e ficar falando alto sobre quantos livros tenho, quanto de espaço eles ocupam em minha casa. Nem gosto de ficar desfilando pelas ruas com nenhum deles debaixo do braço. Ou qualquer idiotice do gênero. Gosto de ler meus livros, de deixá-los no quarto em que durmo, de saber que outros existem nos sebos que conheço; que minha vida, a melhor parte dela, está dentro de um monte de páginas e capas coloridas. De saber que se o mundo das coisas “reais”, onde existem as pessoas que nunca acharam que valesse a pena ler um livro, me parece tão interessante de ser vivido, a isso só devo atribuir aos livros que li e ao tempo que frequentei os sebos de minha cidade.

Fabio Viana Ribeiro- Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá´- UEM



Um comentário:

Anônimo disse...

Se gostar de ir a sebos e comprar uma porção de livros for esquisitice, descobri agora que sou esquisita. Mas não doeu nada...

Adoro ler e faço isso desde sempre. Quem me ensinou foi o seu "Zé do Suspensol", meu pai; apesar de não ter muito estudo formal, lia muito e comprava até coleções para nós.

O único motivo para eu abandonar um livro é se achar muito ruim o texto. Antigamente eu lia assim mesmo, agora sou mais seletiva. O livro pode estar caindo aos pedaços, amarelo, marrom... se for bom, tô nem aí.

E tenho uma sobrinha adolescente que vive nos sebos também... Se Zé fez herdeiros.

Venância.