21.8.07

Grande Josué de Castro

Ao participar, ontem, no Palácio do Planalto, da cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que " “Nos anos 40, o Brasil descobriu a Geografia da fome (...)" . Não creio que Lula tenha lido o livro, mas, vamos lá...
Geografia da Fome é um livro do pernambucano, sociólogo e político brasileiro, Josué de Castro. Destacou-se internacionalmente por seus trabalhos científicos sobre o problema da fome no mundo. Geografia da Fome é um dos vários trabalhos de Josué de Castro. Escrito em 1946, foi traduzido para várias línguas.
Li "Homens e Caranguejos" - acho que sua única obra romanceada- quando tinha 20 anos. Há dois anos comprei o livro. Nessa obra ele fala das palafitas do Recife e a troca entre os caranguejos e moradores do mangue. Os homens pegam os bichos, comem e depois os excretam nas águas sujas, que são engolidas pelos caranguejos, que são consumidos novamente pelos moradores. E assim por diante. Um comendo o outro. É o ciclo do caranguejo, como ele denomina. Ao noqueiro, passagens do prefácio de Homens e Caranguejos":

" Foi com estas sombrias imagens dos mangues e da lama que comecei a criar o mundo da minha infância (...) Foi assim que eu vi e senti formigar dentro de mim a terrível descoberta da fome. Da fome de uma população inteira escravizada à angústia de encontrar o que comer. Vi os caranguejos espumando de fome à beira da água, à espera que a correnteza lhes trouxesse um pouco de comida, um peixe morto, uma casca de fruta, um pedaço de bosta que eles arrastariam para o seco matando a sua fome.
E vi, também, os homens sentados na balaustrada do velho cais a murmurarem monossílabos, com um talo de capim enfiado na boca, chupando o suco verde do capim e deixando escorrer pelo canto da boca uma saliva esverdeada que me parecia ter a mesma origem da espuma dos caranguejos: era a baba da fome.
Pouco a pouco, por sua obsessiva presença, este vaga desenho da fome foi ganhando relevo, foi tomando forma e sentido em meu espírito. Fui compreendendo que toa a vida dessa gente girava sempre em torno de uma só obsessão- a angústia da fome.
Sua própria linguagem era um alinguagemque quase fazai alusão a outra coisa. A sua gíria era sempre carregada de palavras evocando comidas. As comidas que desejavam com desenfreado apetite.
A propósito de tudo se dizia: é uma sopa; é uma canja; é um tomate; é uma ova; é um abacaxi; é uma batata; é pão-pão, é queijo-queijo. Era como se essa fosse uma compensação mental de um povo sempre faminto. De um povo de barriga vazia, mas com a cabeça cheia de comida imaginárias (...).
E quando cresci e saí pelo mundo afora, vendo outras paisagens, me apercebi com nova surpresa que o que eu pensava ser um fenômeno local, um drama do meu bairo, era drama universal (...) que aquela lama human do Recife, que eu conhecera na infância, continua sujando até hoje toda a apaisagem do nosso planeta como negros borrões de miséria: as negras manchas demográficas da geografia da fome.

Esse pessoal que "cansou", e os que criticam o auxílio do governo aos necessitados (chamando de forma pejorativa o bolsa-família de "bolsa-esmola") deveria ler a obra de Josué de Castro. Mas ler e ver o que se passa à volta cansa, né?

(Josué Apolônio de Castro deixou a gente em 1973)

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