5.4.07

Mais do Hotel X

Carreguei malas no Hotel X durante um ano, em 1978. Não bastasse carregar malas 5 vezes mais pesadas que eu- olhem só a sacanagem: fazia cobranças de estadias de hóspedes numa bicicleta cargueira no Frigorífico Central, Balfar (av. Colombo) ,Transparaná (trevo na saída para Paranavaí) e TV Cultura - que estava se instalando em Maringá. Tudo numa tacada, no mesmo dia. Tudo fora de mão uma empresa com a outra. Eu demorava quatro horas para receber a grana; quando não, alguma delas pedia pra passar no dia seguinte e lá ia eu novamente. Com uma camisa cor-de-rosa ridícula e gravata preta, suando que nem um condenado. Certa vez um cachorro me perseguiu e mordeu minha canela quando eu passava pela avenida Itororó. Rasgou a calça e saiu sangue. Ninguém do Hotel X moveu uma palha pra cuidar de mim.
Mas um mensageiro do Hotel X -com seu carros parados na garagem e com pessoas que poderiam fazer esse trabalho- não pode parar! Ele tem que continuar a pedalar essa merda de bicicleta cargueira e suar e suar e suar. E ficar morrendo de vergonha das moças que passam por ele, e tem que virar o rosto, todo suado e pedindo pelo amor de Deus pra não cruzar com mais nenhuma porque daí você já começa a desistir de tudo e pensar que nunca uma delas vai te dar moral e quando acontecer você já vai estar com 22 anos e o tempo não volta. Eu morria de vergonha. Me encolhia na bicicleta quando passava por uma garota.
Eu pensava : Deus, me dê apenas a visão das árvores, da grama, dos carros passando por mim, das mulheres velhas andando com seu cães, dos trabalhadores varrendo o asfalto, algum mendigo encostado numa parede, crianças indo pra escola... mas não me coloque à frente uma garota bonita que me veja pedalando essa bicicleta, vestido com essa fantasia de idiota.

A gerente do Hotel X judiava de mim ao máximo. Me levava na Cobal (onde hoje fica o Avenida Center, pra comprar laranja. Caixas e caixas, que, ao chegarem ao hotel, eu levava para a copa, no primeiro andar) . De vez em quando eu sonho com isso. Eu carregando os trecos, subindo escadas. Um sonho muito ruim. Mas o que eu sei hoje é que essa gerente era doidinha pra ter um caso comigo. Ela me judiava porque não tinha coragem de se declarar e eu era um tonto, como até hoje eu sou. De raiva de não poder fazer nada, de me cantar, ela judiava de mim; isso depois eu descobri. Eu tinha 16 anos e ela sabia que podia dar rolo.
Até uma tarde em que o dono do hotel (já morto) estava na área e houve uma reunião com os funcionários. Ela falou um monte de merda sobre todos, apontou o dedo pra mim e me despediu: "Os mensageiros estão fazendo corpo mole. E é por isso que o Marcos ( eu) está sendo mandado embora hoje".
Saí chorando nos corredores (até hoje sonho com isso, também) e não entendia o porquê da demissão, já que eu era um dos meninos que mais trabalhava e se esforçavaa na recepção do hotel. Hoje, quase 30 anos depois, eu sei o motivo pelo qual fui demitido: faltou vara.

6 comentários:

Anônimo disse...

Lukas, podia ser pior. Comigo acho que foi . De 1987 a 1989 eu trabalhei numa farmácia em Maringá, que agora virou Rede, e também sofri as maiores humilhações. Entregava encomendas de bicicleta o dia inteiro, no Frigorífico Central, Alô Brasil, Boca Quente, Balfar, Cotel, Calças Herói, Frigma e mais uma porrada de empresas.Andava com um guardapó azul , ridículo, e ainda fazia o serviço de banco. Ganhava um salário mínimo, trabalhava com bicicleta própria e ainda arcava com as despesas da magrela.Não tinha o menor valor. No dia do pagamento parecia que o cara ainda tava te fazendo um favor de te dar um trampo. Entrva às 7:30, pegava um balde e um rodo, e antes de sair pra fazer a correria ainda tinha que fazer a limpeza da farmácia.Tem ideía que quantos pacotes de Modess eu entreguei pras secretárias menstruadas da cidade? Foram 50 horas semanais trabalhadas sem um minuto de hora extra em 2 anos. Fora os plantões. Até que um dia eu enchi o saco e pedi demissão, atitude da qual não me arrependo até hoje. Mas até nas adversidades nós aprendemos, e o que eu guardo comigo até hoje é o exemplo de como não proceder com os subordinados.

Anônimo disse...

Olha Maluco, tudo na vida é aprendizado. O grande segredo é não esperar muita coisa da vida. Assim, tudo o que vier é lucro.

O grande barato é ver as coisas boas que existem, e que são de graça. As boas memórias por exemplo.

Eu comecei a trampar com 10 anos de idade, vendendo leite, frango e frutas na rua. Lá se vão 30 anos. Hoje não estou rico, mas tenho uma vida que não posso reclamar. Ainda trabalho igual um camelo, mas tá legal.

Pensando bem, foi melhor você ter arrumado aquele trampo no hotel. Pensa que foi lá que tudo começou. E que graças àquele serviço, hoje você ganha a fortuna que ganha, com esses rabiscos que faz.

Anônimo disse...

Esse "faltou vara" no final... A experiência é a mãe da sabedoria. Brincadeira... falando em brincadeira , o que nos resta mesmo é rir de nossas desgraças porque inevitavelmente elas acontecem. Quem pode mais chora menos!!!! Que ri mais chora menos!! Quando você ri, não pode estar chorando, ganha tempo até a nova desgraça aparecer e você chorar novamente. Abraço, Lukas!

Anônimo disse...

Na verdade, as pessoas maltratam as outras, "sugam" porque sao infelizes, invejosas e mal resolvidas.
O mau chefe e aquele maltratado em sua propria casa, tem um "micro negocio" e precisa descontar em alguem.
Todo mundo conhece alguem assim.

Anônimo disse...

Caro Lukas. Um dia Victor Hugo (autor de Os Miseráveis, Os trabalhadores do Mar, O último dia de um condenado e muitos outros) escreveu com sabedoria (que nós, infelizmente, só adquirimos na maturidade - bem após os 16 anos): "A aceitação da tirania pelo oprimido acaba por ser uma cumplicidade. Há uma apreciável solidariedade e vergonha partilhada entre um governo que faz mal e um povo que não protesta. Sofrer é coisa digna de respeito... suportar é coisa desprezível". Acredito que hoje você não aceitaria a situação. Uma recomendação de um velho amigo: "Seja como um pássaro, pousado por um instante no ramo mais frágil, que sente tremer o galho e, no entanto, canta... porque sabe que tem asas!" (Sully Prud'Home). Graças a Deus não existe mais o mensageiro Marcos e sim o grande artista Lukas. Parabéns.

Anônimo disse...

Valeu, "quarentão". Os Miseráveis (já li cinco vezes) e Os Trabalhadores do Mar fizeram muito bem em minha adolescência (tenho os dois) assim como quase tudo do Victor Hugo. Legal saber que existem pessoas que lêem ou leram essas obras magníficas e que ajudaram muito em minha formação. Abracinho.