Às vezes ser despojado na vida nos leva a situações engraçadas e constrangedoras. Eu nunca fui apegado a dinheiro, a pequenas fortunas e à badalação. Gosto da vidinha simples, com um pouco de conforto e sempre tentando dividir o que não me faz falta com outras pessoas.
Em 2000, quando lancei meu segundo livro, eu pensei: Não preciso dessa grana, não gastei nada com ele e tudo o que vier é lucro. Então, 10% do dinheiro arrecadado com as vendas eu vou comprar comida pra alguma entidade. Escolhi o albergue, logo após ter vendido uns 150 livros no lançamento.
Fui na feira e encomendei três sacos de arroz com um amigo que possui uma banca de cereais.
"Lukas- disse ele- Eu vou fazer uma mistura de tipo 1 com quirera na base de dois por um. Se você leva arroz de primeira tem gente do albergue que pode desviar pra levar pra casa. Já aconteceu e eu fiquei sabendo disso".
Feito o negócio, combinamos de irmos, ele, Jacaré e eu, no dia seguinte, entregar o rango no albergue.
"Lá pelas 10 horas a gente se encontra no bar do Claudião e vamos levar o arroz. Na volta a gente toma umas"
Chegamos no lugar e avisei o porteiro sobre a entrega. Desci do carro, uma irmã veio indicar ao Adilson onde descarregar os três sacos. Enquanto ele foi eu desci uma rampinha e botei a carona numa janelinha da cozinha. Era hora do almoço e havia umas 40 pessoas comendo. Me lembro que tinha uma banana de sobremesa para cada um. Alguns me olharam meio envergonhados. O odor da comida era uma delícia, assim como a aparência.
Nisso, uma atendente, se aproximou e me flagrou olhando o salão da refeição.
"Que cheiro gostoso, hem? Dá até vontade de almoçar", eu falei.
Aí ela me olhou de cima em baixo, rapidamente, e perguntou:
"O senhor está albergado ou está em trânsito?".
Eu travei. Nisso meus dois amigos estavam chegando e ouviram o furo.
"Não. Esse rapaz aí é que doou o arroz", falou um deles.
A mulher não sabia onde enfiar a cara, de vergonha. Eu fiquei meio constrangido mas não deu nada.
"Se o senhor quiser almoçar, pode sim", ofereceu a irmã, vermelha feito um tomate.
Recusei, mas disse que queria conhecer a cozinha. Quatro mulheres afáveis e simpáticas em volta de panelas enormes e fumegantes me mostraram o rango.
Aí a gente montou na Belina do Adilson, com a mulher agradecendo e pedindo desculpas. Meu amigo saiu do albergue, estacionou o carro do outro lado da rua e caímos na gargalhada.
Lá no bar do Claudião o sarro continuou e a história foi contada pra uns 20 fregueses. Foram dois dias de pegação no pé até eles esquecerem o fato.
Me lembro que no mesmo dia, à tarde, fui cortar o cabelo, tirei a barba e nunca mais usei aquela roupa que trajava na ocasião.
2 comentários:
Lukas, você é um cara iluminado. Fazer uma coisa dessas e ainda dar gargalhadas da própria situação e coisa tua mesmo. Parabéns por conseguir ser assim
Seu amigo do Léa leal
Marquinho
Lukas, o Albergue é tudo isso que você viu e muito mais. Já ajudei em algumas promoções e nas refeições de domingo à noite. Tudo que vai para lá é valorizado. E as refeições são realmente caprichadas. Aquilo sim é exemplo de dedicação e amor ao próximo.
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